quarta-feira, 18 de junho de 2014

Reflexões: Simplicidade. Temor ou ousadia?

(da série: reflexões. Compartilho trecho do livro Direto do Coração, livro que publiquei pela Gráfica P. Sarcinelli, Divisão Editorial, 1988, São Paulo, SP)

“ Hoje estou mais para filósofo do que para escritor.
Pensei na imperfeição do ser humano. Disseram-me que fui criado à imagem e semelhança de um Deus. Vejo-me, porém, contratando com a ideia que me repassaram.
Sou finito, sou mortal, não tenho a imortalidade. Cresci com a ilusão da onipotência e percebo que não a tenho.
Deus é sinônimo de perfeição. Talvez por isso é que eu tenha insistido tanto em busca-la durante minha vida toda. Porém, neste momento de viver o nada, percebo o quanto imperfeito e frágil sou como ser humano.
Penso que se aceitasse as coisas como realmente são, seria mais feliz. O que há no ser humano que faz com que o muito de hoje seja o pouco de amanhã?
Por que não aceito as coisas que tenho, como são, ao invés de não lhes dar valor indo em busca de algo melhor (perfeito)?
Viver simplesmente, ao invés de não viver por viver buscando o perfeito.
Penso que sendo a vida finita, esta se alimenta do seu próprio existir, ou seja a cada dia que vivo aproximo-me mais do finito. Percebo uma das minhas dualidades que sempre resultou na pressa. Sentindo-me finito, como viver acreditando na ideia de que sou imagem e semelhança de Deus?
Da contradição e da disjunção cognitiva surgiu a pressa e a ilusão.
Deus existe, não tenho a menor dúvida, tenha o nome que tiver. Só que a Vida nele é diferente da vida em mim. A minha conhece os limites de tempo, espaço, imperfeição, impotência. Creio, mesmo, que só o amor é a energia básica que sustenta a existência.
Este momento do nada, tem me feito refletir sobre a ilusão que é o dia a dia da vida. Esta existe, inconteste. Mas creio que para poder suportá-la em sua simplicidade é que criamos as ilusões, quais plumas e paetês a darem brilho num quadro que não conseguimos aceitar nua e cruamente.
Perceber a simplicidade que é a vida é difícil de aceitar. Algo tipo: é o que é. O é o que é, talvez não me baste. É preciso para não encarar esta verdade, acrescentar-lhe cores e brilhos ou sombras, para não sucumbir ao peso de sua simplicidade, que percebo, esmagadora.
No íntimo, a pergunta de: se a vida é só isso (é o que é) como poder vive-la da forma que é? Acho que a monotonia ou a simplicidade de algum modo me ameaçavam no sentido de fazer com que eu perdesse a ilusão sobre minha onipotência. Daí a procura da intensidade dos altos e baixos para não viver a linearidade.
Questiono-me: se a linearidade (da vida) é que é a normalidade, sendo os altos e baixos a exceção (ilusão)? Deus do céu, como pude enganar-me tanto, querendo aqui na terra viver à Sua imagem e semelhança?
Homem da terra sou parte da terra, tenho a vida no mesmo diapasão da natureza e no mesmo ciclo de vida desta.
-       Pai-nosso que estais no céu, olhai para este ser que está na terra e não permití ensinarem-no que enquanto humano, deve viver à Sua imagem e semelhança. Venha Vós ao nosso reino e ensinai ao homem como viver sua real existência humana, neste reino da natureza.
-       O perceber nossas limitações dai-nos a cada dia, ensinando-nos a conviver com elas, desmitificando as ilusões de perfeição e onipotência de todos nós e perdoando-nos cada vez que cairmos na tentação de viver a nossa vida humana como deuses.
Percebo em mim temor e ousadia ao fazer esta oração. Como ser humano é muita pretensão fazê-la ao Criador. Não há porém ofensa. Apenas reconheço-O em seu plano e eu no meu. Creio Nele e fico feliz por haver descoberto as diferenças que existem entre nós.

Já não me sinto em disfunção com a vida da natureza que me cerca. Parece-me ser mais igual a ela. As cadências mais iguais, também. A minha é minha, a dela (natureza) é dela mas há algo que nos une, que nos é comum ”.