sábado, 20 de agosto de 2011

Um pouco mais de consciência...

“Questionar e estar consciente. Estes são os mais preciosos mestres. Eles moram no coração de todo ser humano que começa a acordar para o perigo e o desperdício de uma vida não examinada” (Thartang Tulku).

A vida é uma só e o Universo não nos devolve ao final dela os anos que vivemos sem estar plenamente conscientes.

Como nós estamos atualmente: acordados ou adormecidos? Fazendo uma pequena referência a uma das cenas introdutórias do filme Matrix, lembro-me que o personagem Morpheus diz ao personagem Neo: “Você tem o olhar de um homem que aceita o que vê porque está esperando acordar.”

Contraponho: a maioria de nós aceita o que vê porque não sabe como acordar... e por isso tem medo de acordar.

Assim convido você a uma reflexão. Se você tivesse apenas mais um ano de vida em que começaria a pensar? Com certeza reveria sua vida vivida até agora e pensaria em como iria vivê-la neste ano que ainda teria, não?

Bem, neste ponto você começaria a pesar cada escolha que fizesse em sua vida porque na realidade está “con-ciente” de que toda a escolha tem um preço. Que toda a escolha que fazemos é como uma semente que se planta e que vai germinar mais cedo ou tarde propiciando-nos a colheita de acordo com a qualidade da semente plantada.
Toda a escolha que fazemos não se encerra no ato da escolha. Cada escolha reverbera infinitamente como se fosse uma pedra que lançada no meio de um lago forma uma série de ondas sucessivas.

Assim, por exemplo, se escolho fumar a conseqüência invisível é a escolha de meu jeito de morrer. Também, a alimentação que escolho cobrará um preço mais cedo ou mais tarde. Aprendi que a gente não se alimenta só de comida, mas das escolhas que fazemos...(do que vemos, lemos, ouvimos, respiramos, etc).

Indo um pouco mais além: a sua mente é o jardim. Seus pensamentos são as sementes que você planta. Que tal estar consciente da qualidade das sementes que diariamente por meio de pensamentos, palavras e ações plantamos em nossas mentes e por analogia nas “mentes-jardins” de todas as pessoas que convivem conosco no dia-a-dia...(parentes, amigos, colegas, funcionários e desconhecidos com os quais conversamos).
“Os pensamentos que percorrem a sua mente não são você. Você é aquele que está consciente desses pensamentos (...). É de extrema importância, então, observar e examinar os pensamentos, porque isto nos ajuda no aprendizado de nos tornarmos conscientes.” (Robert Happé).

Medo de acordar... somos condicionados inconscientemente desde a infância a termos medos. Medos de julgamento, de não aceitação e de rejeição e nos acomodamos porque justificamos: “é assim que todos procedem”...
Precisamos estar conscientes do que motiva as nossas escolhas: medo ou Amor, porque não podemos fugir da responsabilidade por nossas escolhas. Somos agentes e somos vítimas delas.

“As pessoas suspiram por autoridade mesmo quando lutam contra ela. Adoram que se lhes diga o que está acontecendo e o que fazer, ao invés de, por si mesmas, sentir e tentar arriscar um passo original”. (Zulma Reyo).

Que tal um passo original em direção a uma transformação de consciência? Consulte seu coração.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

" Eu sei, mas não devia". por Marina Colassanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra. A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma. Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.